quinta-feira, 6 de abril de 2006

Onde está a graça?

Sempre que me perguntaram se deve haver limites para o humor, minto com quantos dentes tenho na boca (que, ao contrário do que acontece com a maioria da população portuguesa, são ainda 32), e digo que não. Na verdade, creio que não se deve fazer humor sobre tudo.

Há um tema que, por ter que ver com crenças muito profundas, com convicções estruturantes da personalidade e com valores eternamente e sagrados, não seve ser tocado pela comédia. Esse tema é obviamnete, o Sport Lisboa e Benfica.

Atenção: não estou a brincar.

Aquilo que eu sinto pelo Benfica, o espaço que o Benfica ocupa na minha vida e nas minhas preocupações aproxima-se, admito, da demência. Mas, pervertendo a frase famosa do Herberto Helder, seu eu quisesse, "desenlouquecia". Tenho a certeza de que, se me puser a pensar no assunto, consigo deixar de sofrer cada vez que aquele grupo de onze milionários não acerta bem com os pontapés numa esfera cheia de ar. Só que não quero.

No dia em que perdemos com o Centa de Vigo por aquele resultado, a dez minutos do final do jogo, eu dizia para mim: "Se marcarmos um golo já, talvez ainda consigamos empatar isto". Repito: não estou a brincar. Acreditava mesmo que a reviravolta era possível. Portanto, não me digam que as crenças religiosas são profundas. Eu acreditei que uma equipa em que o Paulo Madeira, o Ricardo Rojas e o Calado eram titulares conseguia virar aquele resultado, apenas porque vestiam umas certas camisolas vermelhas.

Ao pé disto, acreditar que Cristo conseguia ressuscitar mortos é, claro, uma brincadeira de crianças.

É evidente que, apesar de tudo, para mim há coisas mais importantes na vida do que o Benfica. Tenho é dificuldade de me lembrar que coisas são essas. Ah, por exemplo: a minha filha. Quando a minha filha nasceu, mandei para todos os meus amigos a seguinte mensagem: "A Rita nasceu. Já somos seis milhões e um". E quando a enfermeira me entregou a menina, pensei: "Esta é a coisa mais importante da minha vida e eu não sei como lhe hei-de pegar. Como é que se pega na coisa mais importante do Mundo?" E então peguei-lhe como o José Águas pegou na Taça dos Campeões em 61 e em 62, beijei-a na testa, levantei-a no ar e... OK, internem-me. Preciso de ajuda.


in A VIDA É ASSIM by Ricardo Araújo..Pereira

1 comentário:

Wendell Silva disse...

Fantástico. Isso é ser faccioso. E aqui só há espaços para facciosos, seja de que clube for. Eu assumo que sou faccioso e não quero mudar!