Interrompo o meu exílio (por motivos de trabalho) para comentar o jogo de hoje, até porque a bem dizer foi a primeira vitória a sério desta época, e merece referência. E de certeza que já tinham saudades da minha cabotinice.
Datado de 1639, o Philippus Prudens de Caramuel Lobkowitz é uma obra monumental, sob todos os pontos de vista. O tema único é a demonstração dos direitos dos Reis de Castela e Leão sobre Portugal, que, recorde-se, estava unido à Coroa de Castela desde 1580. Este grosso volume não surge em 1639 por acaso: acossada Madrid por guerras em várias frentes (Flandres, Catalunha, França, ...), a revolta portuguesa, apoiada pela França, era previsível, sobretudo depois da grande revolta do "Manuelinho", iniciada em Évora em 1637 (1). Monumental, já o disse, as mais de 450 páginas deste volume serão a base da argumentação afecta a Castela, desde 1640 até à paz de 1668 - e, naturalmente, da contra-argumentação portuguesa. Mas disso se falará em outro dia, se tiver pachorra.
Em seguida apresento a página de rosto do livro. Depois, a explicação da sua simbologia, em tradução provisória e relativamente apressada. Alguns aspectos só se podem entender no original, como o jogo que é feito entre o nome do Leão animal ("Leo") e do Reino de Leão ("Leo" e "Legio"). Fui também obrigado a dar uma ou outra beliscadela na tradução do epigrama final, de modo a respeitar a posição das palavras-chave no original.
Finalmente, apresento o original em língua de gente educada e civilizada - ou seja, no original latino. Que les aproveche.
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Em seguida apresento a página de rosto do livro. Depois, a explicação da sua simbologia, em tradução provisória e relativamente apressada. Alguns aspectos só se podem entender no original, como o jogo que é feito entre o nome do Leão animal ("Leo") e do Reino de Leão ("Leo" e "Legio"). Fui também obrigado a dar uma ou outra beliscadela na tradução do epigrama final, de modo a respeitar a posição das palavras-chave no original.
Finalmente, apresento o original em língua de gente educada e civilizada - ou seja, no original latino. Que les aproveche.
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(1) Certamente não é também coincidência que a primeira reacção a este Philippus seja precisamente impressa em França e em francês, em 1640, pouco antes do 1.º de Dezembro.
«A cabeça do Dragão é uma secção da órbita da Lua e do Zodíaco. Tem movimento retrógrado, de acordo com a definição de Copérnico: cada dia três minutos, e consequentemente cada ano 19 graus e 20 fracções. É por isto que a cabeça do Dragão muitíssimas vezes ficará sob o signo de Leão, e, sacudindo o jugo, muitas vezes regressará. O Dragão celeste foge do Leão, mas há-de voltar.
O Leão coroado significa o Rei de Leão – direi mais, o seu Reino, que outrora se chamava “Leo”, mas hoje se chama “Legio”. O Dragão posto sobre o escudo de Portugal é símbolo da Lusitânia. Esta outrora estava sob o domínio do Rei de Leão: com efeito, reinava em Leão e Portugal Afonso o Grande, o qual deu Portugal a seu filho Ordonho. Foi a Lusitânia separada de Leão, mas haveria de regressar, pois no início do ano de 1064 encontro Fernando o Grande Rei de Castela, Leão e Lusitânia. Após a sua morte, de novo se separou a Lusitânia de Leão, com Garcia por rei próprio. De novo Afonso VI de Castela separa a Lusitânia, [então] unida a Leão, enquanto domínio de propriedade, no ano de 1094, ao dar a sua filha Teresa ao Conde Henrique, e em dote o invicto Condado de Portugal. Até que Afonso, filho de Henrique e Teresa, arrebata este Reino a Leão, enquanto suprema jurisdição, quando é coroado contra a vontade do Rei de Leão. Eis que a Lusitânia tantas vezes se despediu do poderoso Rei de Leão – mas haveria de regressar.
Finalmente, sob os auspícios de Filipe o Prudente, Rei de Leão, é subjugada, e não mais há-de partir.
Eis uma curiosa analogia, se te agrada a contemplação dos astros: compara o Dragão da Lua com o Leão, tal como ao Rei de Leão o Dragão Lusitano. A um e outro se aplica este epigrama, sobreposto ao desenho, e explicando o conceito misterioso.
O Leão coroado significa o Rei de Leão – direi mais, o seu Reino, que outrora se chamava “Leo”, mas hoje se chama “Legio”. O Dragão posto sobre o escudo de Portugal é símbolo da Lusitânia. Esta outrora estava sob o domínio do Rei de Leão: com efeito, reinava em Leão e Portugal Afonso o Grande, o qual deu Portugal a seu filho Ordonho. Foi a Lusitânia separada de Leão, mas haveria de regressar, pois no início do ano de 1064 encontro Fernando o Grande Rei de Castela, Leão e Lusitânia. Após a sua morte, de novo se separou a Lusitânia de Leão, com Garcia por rei próprio. De novo Afonso VI de Castela separa a Lusitânia, [então] unida a Leão, enquanto domínio de propriedade, no ano de 1094, ao dar a sua filha Teresa ao Conde Henrique, e em dote o invicto Condado de Portugal. Até que Afonso, filho de Henrique e Teresa, arrebata este Reino a Leão, enquanto suprema jurisdição, quando é coroado contra a vontade do Rei de Leão. Eis que a Lusitânia tantas vezes se despediu do poderoso Rei de Leão – mas haveria de regressar.
Finalmente, sob os auspícios de Filipe o Prudente, Rei de Leão, é subjugada, e não mais há-de partir.
Eis uma curiosa analogia, se te agrada a contemplação dos astros: compara o Dragão da Lua com o Leão, tal como ao Rei de Leão o Dragão Lusitano. A um e outro se aplica este epigrama, sobreposto ao desenho, e explicando o conceito misterioso.
Tantas vezes foge o Dragão (a) ao signo de Leão que tantas vezes voltará
e tantas vezes o pescoço soberbo restituirá ao pé:
Não fugirá, é justamente capturado; defender sabe, PRUDENTE (b),
com mão (c) armada defender os seus direitos o LEÃO.
e tantas vezes o pescoço soberbo restituirá ao pé:
Não fugirá, é justamente capturado; defender sabe, PRUDENTE (b),
com mão (c) armada defender os seus direitos o LEÃO.
(a) A Lusitânia.
(b) Filipe o Prudente, como Rei de Leão
(c) Mão, isto é: exércitos.
***
Caput Draconis sectio est Lunae Orbitae Zodiacique: retrocurrit, iuxta Copernici definitionem, singulis diebus, tribus minutis, ac propterea singulis annis grad. 19 & 20 scrup. Hinc est quod Draconis caput saepissime subfuerit Leonis signo, & saepe iugum excutiens fuerit regressum. Caelestis Draco, sed reuersurus, Leonem effugit.
Leo coronatus, Regem Leonis indigitat; illius, inquam, Regni, quod Leo olim, sed Legio inpraesentiarum nominatur. Draco Portugallensi scuto impositus, index est Lusitaniae. Haec olim Leonis Regi suberat: Leoni enim & Portugalliae praerat Alfonsus Magnus, qui dedit Ordonio filio suo Portugalliam. Separata fuit a Leone Lusitania, sed reuersura; quia sub principium anni 1064 reperio Fernandum Magnum Castellae, Leonis, & Lusitaniae Regem: post cuius obitum iterum a Leone discessit Lusitania sub Garcia proprio Rege. Iterum vnitam Leoni Lusitaniam separat, quoad proprietatis dominium Alfonsus VI Castellae Rex anno 1094 dans Tarejam filiam suam Comiti Henrico, & in dotem Comitatum inuictae Portugalliae: quoad supremam iurisdictionem, a Leone hoc Regnum abstrahit Alfonsus Henrici atque Tarejae filius, cum inuito Leonis Rege coronatur. Ecce Lusitania saepe, reuersura tamen, inuicto Leoni valedixit; tandem auspiciis Philippi Prudentis, Leonis Regis, numquam discessura, subigitur.
Ecce curiosam proportionalitatem, si caelestium contemplatione delecteris: ita Lunarem Draconem Leoni compara, vt Regi Leonis Lusitanicum. Vtrumque respicit hoc Epigramma delineationi superpositum, & explicans conceptum mysteriosum.Saepe reuersurus fugit (a) Draco signa Leonis,
Saepeque restituit colla superba pedi:
Nec fugiet. Capitur iuste; defendere (b) PRVDENS
Armatis (c) manibus scit sua iura LEO.(a) Lusitania.
(b) Philippus Prudens qua Leonis Rex.
(c) Manibus id est exercitibus.
3 comentários:
Nota-se que este post esteve entranhado algures numa das neuras recalcadas do subconsciente ressabiado de um lagarto ibérico.
Deixo uma dúvida: no meio de tanta prosa, o Dragão é ou não o representante do povo lusitano?
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Claro, embora, como se sabe, o povo lusitano só compreendesse, mais coisa menos coisa, o território abaixo do Douro, entrando pela actual Espanha adentro, e a Lusitânia, enquanto circunscrição romana, até tivesse a sua capital na actual Mérida (Espanha). Tal como o dragão, a ascendência lusitana é um conto de fadas. Com uma diferença: enquanto o dragão faz parte do folclore há milénios, a história da carochinha da ascendência lusitana foi inventada no Renascimento, e aproveitada com intenções políticas sobretudo no período da ditadura salazarista. Felizmente a historiografia das últimas décadas tem contribuido para, embora lentamente, acabar com esse mito.
Quanto a ontem, eu nem me importava de ver o FCP a ganhar, para poder chatear a lampionagem. O único resultado que me deixaria muito aborrecido seria um empate.
Que saudades das aulas de Latim :-)
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