A multidão ululante que se deu ao trabalho de ir insultar o Queiroz de madrugada ao aeroporto revela, além da evidente falta de mais que fazer, que o tuga vive, no que respeita à selecção de futebol, numa dimensão alternativa, muito por culpa das expectativas estupidamente elevadas quer pelos 'media', quer pelo próprio seleccionador. Insultar e apupar uma selecção e seu treinador depois de eliminados nos oitavos de final de um Mundial às mãos da actual campeã europeia e uma das principais candidatas à vitória final é ridículo (passe o eufemismo). A selecção portuguesa de futebol, sem jogadores à altura de outros tempos ainda recentes, sem estrelas, tirando o Ronaldo, jogando perante uma das mais poderosas selecções do planeta, muitos, mesmo muitos furos qualitativos acima, não fez mais do que aquilo que se esperava, não fez mais do que aquilo de que era capaz, e ainda assim fez melhor, perante adversários mais cotados, do que no Euro'08 (pelo menos não perdeu com equipas de 5.ª categoria).
O tuga ululante esquece-se, não reparou ainda, que a "geração de ouro" terminou algures entre o Euro'04 e o Mundial'06, arrastando-se ainda pelo Euro'08, cuja fase de qualificação, esquece-se muitas vezes o pessoal, foi tão ou mais complicada do que para este Mundial (recordo: 2.º lugar à rasquinha, atrás da ridícula Polónia, a lutar taco a taco com a insignificante Finlândia). Exigir a este grupo de jogadores, dos quais só o Ronaldo seria indiscutível nas selecções de topo, que eliminasse a Espanha é legítimo, tal como legítimo seria pedir que ganhassem a final, ou que o Papa recomendasse o uso de preservativo. Legítimo, mas irrealista.
Legítimo, realista foi fazê-lo às selecções entre 2000 e 2006 Mas a de 2000, depois de um campeonato brilhante (indiscutivelmente o melhor de sempre), caiu nos últimos segundos do prolongamento das meias-finais, às mãos do Abel Xavier e de uma França campeã do Mundo em título e em seguida campeã da Europa. A de 2002 foi desperdiçada às mãos do Oliveira e aos punhos do João Pinto. A de 2004, depois de muita vaca leiteira e alguma ajuda arbitral, foi desperdiçada pela incompetência da Senhora do Caravaggio, que cometeu a proeza de perder uma final em casa perante uma selecção de 3.ª linha. Safou-se a de 2006, que de facto, com mais ou menos vaca, cumpriu. Ainda assim, parece-me evidente que foi muito mais grave perder com a França em 2006 que com a Espanha agora, tendo em conta o valor relativo de cada uma das selecções.
Causas da decadência? Uma evidente crise de valores, provocada quer pelo desleixo na formação ao nível de selecções iniciado com o consulado da Senhora do Caravaggio, e que só agora começa a recuperar, quer também no desleixo dos clubes na sua formação, desde que passaram a encarar os campeonatos de formação como campeonatos profissionais.
Portanto, não se exija o que não se pode dar. A ter de se exigir alguma coisa, a ter de assobiar e apupar alguém, melhor teria sido terem-no feito a quem perdeu em casa uma final perante uma equipa que nem antes nem depois voltou a fazer coisa que se visse.