Muito se tem falado de interdições de estádios. Como me parece que esta Liga em duas jornadas duas já mostrou mais nonsense que todos os episódios do Flying Circus juntos, tinha decidido abster-me de falar do assunto, guardando-me para coisas mais sumarentas. Até saber que o Nápoles voltou às competições europeias, depois de longa ausência. Lembrei-me então da primeira interdição de um recinto desportivo por motivo de desacatos de que há registo (1): a interdição do anfiteatro de Pompeios (2), a tal cidade ali mesmo na baía de Nápoles, que em 79 d.C. foi enterrada pelas cinzas (não lava) do Vesúvio, que ainda hoje ameaça milhões de napolitanos indiferentes que, ignorantes da História e da ciência, insistem em viver ali mesmo ao lado de um dos vulcões activos mais perigosos da Europa.
A coisa aconteceu em 59 d.C., durante um espectáculo de gladiadores (assim uma espécie de Binya ou Bruno Alves do tempo dos romanos, mas menos perigosos). Nas bancadas o clima aqueceu entre pompeianos e nucerinos (da vizinha Nucéria), e o resultado foram muitos mortos e feridos. A coisa chegou aos ouvidos de Nero, que mandou os senadores decidirem sobre o assunto; estes por sua vez despejaram a batata quente nas mãos dos cônsules, que a devolveram aos senadores (3), que se viram forçados a decidir. Dissolveram e ilegalizaram as claques de Pompeios e Nucéria, e interditaram o anfiteatro por 10 anos.
O episódio, ilustrado em pinturas da época, como a que enfeita esta posta de erudição, é também testemunhado por graffiti ainda hoje visíveis nas paredes de Pompeios, e relatado pelo historiador Tácito, que viveu algumas décadas depois, e que conta a coisa assim (traduzo à pressa e numa esplanada, perdão por eventuais deselegâncias de estilo):
Digam lá que não parece a descrição de um encontro entre adeptos do Benfica e adeptos do Benfica nos arredores do Galinheiro, bem como os meandros da justiça desportiva portuga. A interdição, no entanto, foi levantada em 62 d.C. mas não me perguntem porquê que eu não me lembro. Parece-me que foi por causa de um terramoto, dos muitos que afectam aquela região. Seja como for, os pompeianos não tiveram muito tempo para festejar. Escrevendo direito por linhas tortas, os deuses trataram de encerrar definitivamente o recinto desportivo em 79 d.C, quando a interdição de facto deveria acabar: em meados desse ano o Vesúvio explodiu uma vez mais, sepultando o anfiteatro e o resto da cidade em cinzas vulcânicas (não lava), e matando milhares, ora sufocados pela poeira (os mais sortudos), ora assados vivos na torrente piroclástica de cinza ardente.
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(1) penso eu de que, pelo menos não conheço nenhum exemplo mais antigo.
(2) é esta a forma correcta, embora ninguém a use, e não "Pompeia", que é o que toda a gente usa, por via francesa.
(3) parece que quando estes enviaram carta furiosa rezando "non ualet, uobis prius iecimus" (não vale, nós lançamos-lhes primeiro), estes responderam com um sarcástico "sane, sed non 'mitte alteri non ipsi' dixistis" (é certo, mas não disseram "passa ao outro e não ao mesmo").
A coisa aconteceu em 59 d.C., durante um espectáculo de gladiadores (assim uma espécie de Binya ou Bruno Alves do tempo dos romanos, mas menos perigosos). Nas bancadas o clima aqueceu entre pompeianos e nucerinos (da vizinha Nucéria), e o resultado foram muitos mortos e feridos. A coisa chegou aos ouvidos de Nero, que mandou os senadores decidirem sobre o assunto; estes por sua vez despejaram a batata quente nas mãos dos cônsules, que a devolveram aos senadores (3), que se viram forçados a decidir. Dissolveram e ilegalizaram as claques de Pompeios e Nucéria, e interditaram o anfiteatro por 10 anos.
O episódio, ilustrado em pinturas da época, como a que enfeita esta posta de erudição, é também testemunhado por graffiti ainda hoje visíveis nas paredes de Pompeios, e relatado pelo historiador Tácito, que viveu algumas décadas depois, e que conta a coisa assim (traduzo à pressa e numa esplanada, perdão por eventuais deselegâncias de estilo):
«Por essa mesma altura, e com um início sem importância, deu-se um terrível banho de sangue entre os colonos de Nucéria e de Pompeios num espectáculo de gladiadores que oferecia Livineio Régulo, aquele de quem vos contei ter sido expulso do Senado. Assim, com o [habitual] excesso provinciano, lançavam uns aos outros impropérios, depois pedras; por fim sacaram das armas, sendo mais forte a plebe de Pompeios, em casa de quem se oferecia o espectáculo. Muitos nucerinos, pois, foram levados para Roma, o corpo coberto de golpes, e muitos choravam a morte de filhos ou pais. O imperador [Nero] delegou o julgamento deste caso ao Senado, o Senado aos Cônsules. E trazido de novo o caso aos Senadores, foram proibidas durante dez anos aos pompeianos reuniões deste género, e os gangues, que tornaram ilegais, foram dissolvidos. Livineio e os outros que provocaram os desacatos foram punidos com o exílio.»
Tácito, Annales, XIV, 17
Digam lá que não parece a descrição de um encontro entre adeptos do Benfica e adeptos do Benfica nos arredores do Galinheiro, bem como os meandros da justiça desportiva portuga. A interdição, no entanto, foi levantada em 62 d.C. mas não me perguntem porquê que eu não me lembro. Parece-me que foi por causa de um terramoto, dos muitos que afectam aquela região. Seja como for, os pompeianos não tiveram muito tempo para festejar. Escrevendo direito por linhas tortas, os deuses trataram de encerrar definitivamente o recinto desportivo em 79 d.C, quando a interdição de facto deveria acabar: em meados desse ano o Vesúvio explodiu uma vez mais, sepultando o anfiteatro e o resto da cidade em cinzas vulcânicas (não lava), e matando milhares, ora sufocados pela poeira (os mais sortudos), ora assados vivos na torrente piroclástica de cinza ardente.
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(1) penso eu de que, pelo menos não conheço nenhum exemplo mais antigo.
(2) é esta a forma correcta, embora ninguém a use, e não "Pompeia", que é o que toda a gente usa, por via francesa.
(3) parece que quando estes enviaram carta furiosa rezando "non ualet, uobis prius iecimus" (não vale, nós lançamos-lhes primeiro), estes responderam com um sarcástico "sane, sed non 'mitte alteri non ipsi' dixistis" (é certo, mas não disseram "passa ao outro e não ao mesmo").
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