Talvez reagindo pavlovianamente à presença de um árbitro (salivava abundantemente, pelo menos, e reagiu a um apito, que é o mais próximo num estádio de uma campainha de laboratório), um lampião vestido num misto de bobo da corte com diabrete de Bosch abriu a porta do curral, despejou para dentro do campo a barriga pantagruélica - o resto do corpo veio atrás, arrastado pela gravidade - e empurrou o primeiro portista que lhe apareceu à frente, no caso um árbitro. Grasnou qualquer coisa que não se consegue decifrar enquanto não se achar uma pedra de Rosetta com um Champollion lampião apenso, e regressou calmamente ao seu lugar, perante a bovina pachorra da segurança, que, tal como os adeptos em volta, não deve ter achado mal nenhum na descarga bestial da criatura avermelhada. Dizem as crónicas que só à força de bastonada a turba circundante permitiu que a polícia fizesse aquilo que o mais básico sentido de civilidade e educação dita: a detenção de uma pessoa que agride outra pelas costas, ainda por cima naquelas circunstâncias (embora se dispensasse o espectáculo de termos 3 ou 4 polícias a bater num velho louco e lampião, mas ainda assim uma pessoa de idade). É tristemente revelador da falta de cultura cívica de um país. Alguém viola todas as normas de conduta entre seres humanos, agredindo pelas costas outro ser humano, e a populaça não só não acha mal como não permite que o agressor seja punido. Sic transit gloria mundi, pardon my latin.
Parece que segundo os regulamentos a coisa se fica por uma multa simbólica ao benfica, o que não me parece mal, embora me questione sobre a justiça de pagar um clube pelas cavalidades dos seus adeptos, e só o consiga compreender como forma de evitar a ocorrência de actos de vandalismo concertado. Não sei o que acontecerá à criatura agressora, pois não li os regulamentos e, convenhamos, há coisas mais interessantes para ler a um Domingo de manhã, mas num país a sério levaria uma multa pouco simbólica, e teria a entrada vedada em estádios de futebol durante um período considerável de tempo. Como isto não é um país a sério, e não tenho notícias de que tenha sido essa a punição adoptada quando algumas criaturas da Juve Leo invadiram o campo no final de um Sporting x benfica em 2004, o mais natural é que se safe com uma palmadinha nas costas na esquadra para onde foi levado (com sorte apanhou um graduado de serviço de bigodes benfiquistas), e seja recebido em alarve apoteose por uma turba extática entre gritos desdentados e bigodes enlevados. Pois é este o país que temos.
2 comentários:
Foi um episódio digno de ser apresentado na Liga dos Últimos e o diabo merecia o prémio Capitão Moura.
Nada que o nosso amigo Orelhas não atenue com uma ida "legal" ao balneário do árbitro.
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